sábado, 16 de dezembro de 2017

Entre a leitura dos clássicos e o filosofar: dos prazeres da boa vida


Assim como o nome próprio deve soar, a cada indivíduo, como uma lei particular - como seu próprio destino - o título dado a um texto não deve ter uma função muito diferente disto. Atrevo-me aqui a tratar de um assunto que, à primeira vista, pode parecer como um desafio sem precedentes: convencer os jovens do valor de uma boa leitura e sua “filosofada” subsequente. Se a propaganda é a alma do negócio, não sem razão me propus a qualificar essas duas atividades como os “prazeres da boa vida”.
Se vamos falar de leitura de obras clásicas, e se vamos falar de Filosofia, quero recordar e lhes contar de que maneira descobri tais tesouros. Comecei a ler quando era muito novo. E quando vi, já estava a escrever também. Amo poesia. Lembro que mal compreendia o que Manoel Bandeira queria dizer com muitas de suas poesias, mas aquilo me fascinava. Penso que já nascia em mim, ali, a compreensão de “obra clássica” que carrego comigo até hoje: aquela obra que, apesar do tempo histórico e das circunstâncias em que foram escritas, sempre têm algo a nos dizer. E talvez por isso eu caminhava por aí com o “Estrela da vida inteira” embaixo do braço. 
Já no início de minha vida adulta vim conhecer a Filosofia: foi quando resolvi ingressar na faculdade mesmo sem saber ao certo o que ela era e para quê servia. E diante das múltiplas definições e interpretações que aprendi ao longo do curso e desses anos como professor da disciplina, digo sem nenhum pudor que ainda hoje não sei ao certo do que se trata. E isso é maravilhoso! Depois que conheci a Filosofia, nunca mais fui o mesmo. Nunca mais vi as coisas da mesma maneira. Em síntese, eu diria que abri mão de poucas certezas para abraçar a multiplicidade de possibilidades. Aprendi que nem sempre a resposta é tão importante quanto a gente imagina: às vezes só é preciso saber fazer boas perguntas. 
Não chegamos ao final da conversa - e penso mesmo que essa conversa nunca deva terminar - mas já podemos extrair algumas conclusões simples dessas duas historinhas que, embora pareçam pertencer à Carochinha, dizem muito do que sou hoje. E é ao desfrute do que venho chamando de “prazeres da boa vida” a que devo muito do que sou hoje. O prazer da leitura de uma obra clássica - que pode ser tanto um clássico “canônico”, quanto um clásico que seja só seu, não tem problema! - possibilita muito mais do que uma simples distração; possibilita muito mais do que um simples desbravar de um mundo novo; possibilita muito mais do que o simples exercício da imaginação. A leitura de um clássico nos possibilita o exercício do filosofar; nos possibilita o encontro com a multiplicidade; nos possibilita o encontro e o reencontro com as grandes e insolúveis questões que são, a um tempo, nossas, do autor e da humanidade. Em síntese, a leitura de um clássico viabiliza nossa própria trasncendência: um verdadeiro privilégio. E é incrível e maravilhoso que tais nobres prazeres estejam extremamente à disposição de quem quer que seja. 
E então? Uma pontinha de curiosidade? Quer ver o mundo de uma maneira totalmente diferente? Afim de saber de que maneira se realiza este exercício de transcendência? Leia!

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

As noites perfeitas

As noites perfeitas começam devagar e só acabam no começar de um novo dia. 
São nelas que se adormece de cansaço, mas de músculos relaxados. Leve, o corpo flutua... 
Noites perfeitas são doloridas, ferem corpos, ferem almas... São feridas desejadas, só quem tem pode entender... 
Noites perfeitas são famintas, canibais, surrealistas... Nelas morde-se, aranha-se e come-se... o outro e até mesmo você. 
São de sede insaciável, não há líquido que baste... O que exala é o que se insere... Nenhum deles permanece... Apenas o do outro em você... 
São de frio e de calor intenso... E sem previsão de tempo... O calor te arrepia, e o frio faz arder... 
Nas noites perfeitas são despidos corpo e alma, tiram roupas, tiram máscaras... 
São repletas de palavras, das mais lindas às vulgares, que se quer ou não ouvir... 
As noites perfeitas são metáforas, sinestésicas e paradoxais: 
O que é é outra coisa... 
Os sentidos se misturam, se completam, se anulam... 
Os gemidos são olhares, os olhares são palpáveis, os toques são gritos e os gritos têm cheiros... Cheiros que só sentem os que se tocam... 
Noites perfeitas são e jamais poderão ser tudo que se precisa ter. 

Vanuza Alves

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Yin-Yang

Imagem disponível em <http://twicsy.com/i/W7E9Wd> Acesso em 30 de nov. de 2017

Não nasci pra ser anjo. Sou morada da contradição, do desejo e da inquietação.
Não nasci só para o salto, também gosto de ter os pés no chão.
Prefiro o riso alto, o abraço apertado e a piada suja. Ora apatia, ora intensidade.
Não sou só ternura, sou dor e solidão.
Esperança e amargura.
Luz e a escuridão dançam em mim.
Transbordo humanidade.
Não nasci para o padrão.
Vivo em perder, me buscar, me (re)fazer, oscilando sempre entre o contentamento e a incompletude.


Gabriela Cavalante

domingo, 26 de novembro de 2017

Importâncias

O que de fato é importante pra você? 
Tenho visto tantas coisas acontecerem no decorrer dessa minha vida louca... Tenho visto pessoas queridas morrerem injustamente; pessoas se perderem no seu próprio egoísmo, fingindo ser o que jamais serão, buscando ideias em coisas sem fundamento. Mas, citando Martin Luther King "O que vale não é o quanto se vive, mas como se vive". 
Tenho levado uma vida cheia de segredos que, se todos soubessem, acredito que nem mesmo um "oi" falariam para mim. Mas quem é que não vive assim? Será que você é digno de uma vida bem sucedida? Será que você é digno de ter amigos leais? Ou melhor: será que você tem sido esse amigo leal? Não é preciso se questionar pra percebemos o quanto somos injustos. 
Temos tempo de sobra pra mudar isso: para deixar de viver uma vida sem freio e sem valores e passar a viver uma vida de qualidade e não quantidade, sendo mais humanos e aprendendo a respeitar o espaço de cada um. Não é porque o mundo nos ensina a viver injustamente que temos que viver. Vamos andar na contra-mão e voltar ao que realmente importa. Não deixe que pessoas "cegas" te conduzam ao abismo -  pessoas cheias do seu próprio eu, e que por isso são vazias. Seja cheio de amor, alegria, paz, paciência, delicadeza bondade, fidelidade, humildade, domínio próprio. Assim passamos a viver de acordo com um só propósito: viver bem!

Wanderson Santos

sábado, 21 de outubro de 2017

Cansamos de comentar

Cansamos de comentar. Nosso problema não é Hegel, Marx, Descartes ou Rousseau: nosso problema é a realidade diária de trabalhadores e trabalhadoras, cidadãs e cidadãos, viventes, sujeitos, pessoas, comunidades e indivíduos que aqui na Terra Brasilis sofrem, riem, comem, bebem, choram, enfrentam sistemas, suportam problemas, precisam de alívio, refletem sobre seus dias, suas casas, seus bairros, igrejas, práticas esportivas, escolas, questões.
Não se faz filosofia para o avaliador. Não se faz filosofia pedindo benção pro santo do passado ou pro abade acadêmico que defende o dogma. Filosofia se faz para pessoas, para gente, no meio e como atuação na vida, na política, na estética, na ética, na poética, na prática, etc., da realidade da nossa terra, nos nossos dias. A filosofia serve às pessoas, não são as pessoas que devem servir à filosofia.
Se lemos Hegel, Marx, Descartes ou Rousseau, o fazemos não pra comentar, mas por que suas obras são possíveis ferramentas na nossa mão, instrumentos que podem ser úteis na hora de enfrentar os dias, de lutar por e com alguém, de intervir e auxiliar na solução de problemas.
Ei! Nosso tema não é "fenomenologia", "epistemologia" ou "teoria do conhecimento"; nosso tema não é "política" ou "estética"; nosso tema não é "idealismo", "subjetivismo", "realismo", "aristotelismo" ou sei lá mais qual "ismo" de uma história da filosofia e uma filosofia da história viciadas. Nosso tema é nossa gente: nossas religiões, nossas músicas, nossos gêneros, nossas práticas sexuais, nossas mobilizações, nossas inércias, as reformas políticas, nossas condições de trabalho, nossos sistemas produtivos, nossas comunidades, nossas leis, nossa pobreza, a concentração e distribuição de nossa riqueza...
Cansamos de comentar. Hora de fazer a filosofia filosofar! Hora de tirar os cabrestos das próximas gerações de filósofas e filósofos, de derrubar os saberes-poder, as estruturas de dominação da criatividade, o preço do conhecimento. Tempo de tirar das mãos dos senhores a pena para dá-las aos que seriam condenados. A filosofia não voa atrasada; é que só permitem que as corujas de minerva voem, que os papagaios andem pela casa grande, enquanto as demais aves ficam engaioladas.
De bons comentaristas o inferno já tá cheio. O que falta é filosofia comprometida em lutar para que esse lugar de perdição não exista mais...

Bruno Reikdal Lima

sábado, 7 de outubro de 2017

Sobre relacionamento abusivo

Moça, senta aqui. Precisamos conversar. Tenho muito o que falar, mas sei que pouco vai ouvir...
Hoje, antes de dormir, vá até o espelho e olhe bem para você. Tente responder: você está feliz? 
Abra o livro da tua vida, leia cada página passada, sua história, sua estrada e responda: é assim que quer seguir?
Peço que desculpe a intromissão, mas penso ter a obrigação de te ajudar a se ouvir...
Você já se disse tantas vezes tudo que eu vou falar, mas esquece que escutou, e pelo que acha que é amor, segue... Na verdade acha que segue, pois seguir é diferente: quando segue anda pra frente. E o que faz nada mais é que dar ré na sua vida...
Hoje estava olhando para você, e posso dizer: você é tão bonita! Não importa o que ele diga, sempre vai ser...! Interna e externamente, o que eu vejo é aparente e não é só eu que vejo. Por que finge que não vê?
Olha, outro dia vi suas lágrimas. Para alguns elas são nada, mas eu sei o que é chorar. É um grito. Um ato de desespero que vem do fundo do peito e desagua pelos olhos, espremidos e sofridos por não ter outra opção... 
Veja, pense bem se esse cara vale essa gota d’água que emana de você...! 
Vejo que ele não vale nada, pois alguém que a alguém trata com tamanha agressão não vale um pão embolorado... Esse cara é um safado, um covarde, um otário, que só paga de machão! Ele pouco representa, apresenta a total degradação de uma espécie que padece na ilusão de uma superiorizarão inexistente.
Temo que a agressão que eu conheço não seja nem um terço do que ele faz a você... 
Pense: você não precisa dele. Você já viveu sem ele e pode continuar a viver!
Imagino as ameaças... Que irá te abandonar, que você ficará só, que você vai dormir sozinha. Olha, eu posso lhe garantir: solidão não é pior que estar com alguém assim. O amor nunca foi isso. Eu não sei o que se passa, mas nada justifica um tratamento abusivo.
Como nomear um sentimento que machuca, que castiga, que destrói e que humilha? Que te faz chorar constantemente? Isso ai é outra coisa, que não sei se tem um nome, mas amor é diferente: o amor agrada a gente e nos faz sentir feliz!
Não se acostume com migalha, pois enquanto você come o que sobra depois de tudo vomitado, um banquete está preparado, esperando por você... 
Hoje as marcas na alma, mais tarde também na cara... Onde é que vai parar? 
Garanto: com tanta gente no mundo eu acho um absurdo você estar presa assim... 
Quebra logo essa corrente! Ela está na sua mente... 
Mande logo ele à merda, não deixe que essa fera - que nunca vai virar príncipe - te aprisione num castelo de horror construído às custas da sua dor... 

Vanuza Alves

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A dura arte de assistir ao pôr-do-sol

Quando ainda pequeno ouvi falar, pela primeira vez, da morte de um conhecido. Eu não me preocupei porque tinha certeza que, assim como os personagens da Bíblia, depois de alguns dias a pessoa logo voltaria a vida. Eu esperei confiante durante as 72 horas, que pareceram as mais longas da minha vida. Nada. Talvez três dias fosse exclusividade de Jesus, já que Lázaro demorou quatro para ressuscitar. Não, não era. Uma semana depois eu estaria bastante desapontado.
Alguns anos depois eu fui, pela primeira vez, a um velório de uma amiga da minha mãe na igreja e odiei a horrível sensação de observar o sofrimento de todas aquelas pessoas sem poder fazer nada a respeito. Nesta época eu ainda tinha esperanças e podia jurar que, em algum momento da cerimônia, o corpo que no caixão repousava iria piscar os olhos e milagrosamente e cinematograficamente se levantar, emocionando e maravilhando a todos ao redor. Mais uma vez acabei me decepcionando. 
O tempo passou e hoje, pela primeira vez vivenciando a dor da perda em um cemitério, eu fui forçado a aceitar a realidade: eles não vão voltar. E seus corpos não estão apenas dormindo como costumamos repetir como consolo. As almas com certeza podem descansar paz, mas as capsulas biológicas onde elas habitaram em vida não poderão ser reutilizadas: estão mortas e em pouco tempo entrarão em processo de decomposição. 
Nós somos como os dias: nascemos todos imersos em expectativas e envoltos em singela beleza. Em nossa existência podemos alcançar ou não o esplendor de raios solares que façam os olhos doerem, mas infelizmente, na maior parte do dia, o clima estará parcialmente nublado, com possíveis pancadas de chuva. Em todo caso, terminaremos de forma tão sutil quanto começamos, porque o tempo não pode parar para nós. Até porque, indiferente às lágrimas que escorrem copiosamente e aos lenços que as enxugam e alheia à melancolia dos cantos congregacionais entoados por vozes embargadas, a morte, por si só, é sempre implacável. 
Eu nunca imaginei que assistir o sol se pôr poderia doer. Mas particularmente, não sou muito bom em demonstrar sentimentos em público, sejam eles bons ou ruins, então ao se despedir hoje me recuso a me aproximar e os meus olhos a umedecerem. Mas o meu rio de lágrimas escorre em silêncio, invisível, por dentro. E o choro interno se assemelha às sensações de um rolo de arames arranhando a garganta, de um pássaro cantante sendo emudecido, de uma ferida íntima sendo exposta. 
O tempo está correndo, como sempre, então de relance olho o seu rosto uma última vez e não me parece crível que aquela visão nunca mais se repetirá. Na hora do seu sepultamento ninguém tinha em mãos uma rosa para jogar, nem ouviram-se aplausos como eu imaginei que aconteceria. Mas me conforta saber que em nossas mentes você foi responsável por fazer florescer jardins eternos e que em nossos coraçoes você será ovacionado para sempre. 

Por Samu Saint, em memória de José Jorge (25/03/1929 - 16/06/2017)

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Solidão


Vamos falar de solidão. Quem nunca sentiu esse troço esquisito, não é não? E quem nunca tentou afastar isso? Não saberia dizer de anos atrás, mas a percepção que tenho é que nessa nossa época rotulamos a solidão como algo extremamente negativo e buscamos a todo custo não sermos seres solitários. Nunca sentimos tanta inveja dos nossos coleguinhas e suas vidas cheias de companhia e felicidade. Todos possuem uma vida de comerciais de margarina. Ninguém arrota, nem tem dor de barriga, não passam nervoso, não ficam fedidos, professam um amor verdadeiro e recíproco, os pássaros cantam quando eles passam, não há céu nublado nem tormentas. Ninguém atrasa uma conta, não brigam com o filho nem torcem o pé.
Estamos falando aqui de existência que nem sempre é acompanhada, feliz e satisfeita. Bom nunca é acompanhada. A verdade é que somos seres solitários e individuais. O que você sente só você sente, mesmo que seja similar ao sentir do outro. Eu, de tão existencialista que sou, vou ao chão um montão de vezes. Qual foi o lixo que me esqueci de jogar fora? Quando estou uma porcaria não consigo escrever, meu filho não me suporta e minhas amigas... bom, minhas amigas continuam porque são as melhores. Entro na minha caverna e espero, sempre passa. Percebe que vem de dentro e não do mundo? Se encontre, leia alguns livros, ouça Belchior!
A solidão, de tão mal interpretada, virou fraqueza. Tudo isso só porque ela toca o terror na sua vida e te coloca de frente com você mesmo. Não seja intolerante com a solidão, ela não é e nunca será uma inimiga. Sei que existem algumas solidões que machucam pra burro e tiram o significado de muita coisa, mas se isso não for uma patologia, dê as mãos para ela e se descubra. Aos onze anos eu descobri a solidão compartilhada, quando sentar-se a mesa para dividir as refeições já não fazia mais sentido. Essa era uma solidão específica. Arrisco-me a dizer que algumas solidões têm nome, sobrenome e CPF.  Aos vinte e cinco anos descobri a solidão de mim mesma, quando já não me amava mais, não me pertencia e o cinza estava na alma. Com muita droga na cabeça (lícitas crianças) e muito blá, blá, blá (terapia crianças) eu me vi e renasci.  O que não tem remédio... A gente aceita ou supera ou modifica!
Aprendemos um montão de coisas com isso inclusive a força de continuar.  Então se você está pensando em desistir, repense e volte a repensar. Vale a pena atravessar todo esse lodo. Todo mundo tem uma historinha pra contar e acreditem, elas não são tão belas como imaginamos. Inferno existe de monte por aí e ele está dentro de nós. A notícia boa é que o paraíso também existe: encontre-o.

domingo, 27 de agosto de 2017

Requiesce in pace

O meu pai morreu! Essa é a primeira vez que consigo formar e verbalizar essa frase. Após dois anos consigo pensar nisso e não questionar minha realidade, não sentir náusea, não ouvir em minha mente os bips dos aparelhos. Foram dois anos não querendo verbalizar um fato. Muitas vezes eu fugi para não o pronunciar, outras vezes a minha expressão era suficiente para que o outro entendesse (obrigada àqueles que entenderam). Foram sete dias na UTI, dias em que tive a absoluta certeza que passariam, mas não que seriam os últimos. Acreditei tanto na melhora do meu pai que quando ouvia das pessoas para “me preparar” sentia raiva. Eu não me preparei, até porque acho que ninguém consegue de fato se preparar para isso. Até mesmo após o fatídico telefonema eu me mantive em certo transe, que só tenho consciência dele agora.
Meu pai foi meu e de mais duas lindas mulheres que até hoje não sei bem como passaram por esse processo. Fui egoísta não por falta de amor, mas por falta de estrutura. Não sabia nem como eu estava passando por isso. Tem coisas que não sei falar, sei apenas escrever. Lidar com a morte não é como sentar numa mesa e discutir uma relação com os pensamentos e sentimentos bem definidos e estruturados. 
Meu pai foi um homem que viveu como queria. Como todos, construiu seu caminho, teve seus desejos, sonhos, erros e acertos. Foi um existencialista mesmo sem se dar conta de que o era. Não esteve presente fisicamente em várias e diferentes épocas da minha vida, mas eu sabia que ele estava lá - e o saber faz toda a diferença. 
Com ele meu papel de filha também morreu. Apesar de ainda ser filha de minha mãe, a filha do pai se foi. Precisei rever esse papel existencial. Não há como substituir, tem que deixar ir e aceitar. Em um enterro você não sepulta apenas um corpo, mas vai junto uma infinidade de coisas.
Com a morte do meu pai eu aprendi o que é o arrependimento, aquele verdadeiro, não o que você sente por ter comido além da conta. É um real nó no coração. Vi desaparecer um complexo, sendo eu a Electra, e com ele uma grande representatividade. O que ele era para mim, era somente para mim e entendo que muitas pessoas não entendem isso. Eu respeito. Acontece que o mundo é de um jeito diferente para cada um e nesse mundo cabe um zilhão de sentimentos. 
Eu não disse para o meu pai tudo o que queria. Não lavei toda nossa roupa suja, não chorei o quanto eu queria, não o abracei o quanto nós dois merecíamos. Eu não cumpri algumas promessas, mesmo sabendo que ele não iria me cobrar. Eu não as cumpri e isso tem seu peso. Me dei conta que não pensei no tempo e não vi que ele passava. Percebi que dei valor para coisas que eu poderia ter deixado pra lá e não vou poder dividir tudo isso com ele. Com um bocado de ideias tortas e um muro para ultrapassar, entendi que eu precisava me perdoar. E quando finalmente me perdoei, consegui perdoá-lo.  
Com a morte do meu pai eu aprendi que viver é preciso, obrigatório e necessário; que quero ser eu mais do que nunca. Entendi que algumas coisas são como são, outras nunca serão o que queremos e que se quisermos podemos mudar algumas tantas outras. Aprendi que as pessoas são apenas pessoas e que, como eu, estão tentando viver, sobreviver, atravessar, superar e não enlouquecer. Estamos todos atravessando o mesmo oceano a nado livre. 
Com a morte do meu pai eu passei a olhar diferentemente para minha mãe e para aqueles que tanto amo, olhei diferentemente para mim e para aqueles que o amavam e me senti grata pela existência dessas pessoas. Aprendi a viver melhor e não vou tentar não cometer erros, pois seria estúpido, hipócrita, desumano. Aprendi que os pais ensinam mesmo quando morrem.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

SOMOS FILÓSOFOS, P#&&@!!!

Quando alguém que "não é da área" troca uma ideia comigo, me chama de "filósofo" - claro: estudei, tirei diplominha, ainda estudo e trampo com isso (Filosofia). Logo, adivinha qual a minha "profissão"?! Pois é... Curiosamente dentro das paredes acadêmicas a gente sempre ouve a pergunta: "E você acha o quê? Que vai ser filósofo? Não, né?!" - a vontade de responder é: "Não, vim fazer filosofia para ser arquiteto, mesmo".
Mas entendo. Não podemos ser tão "arrogantes assim" e imaginar que seríamos capazes de produzir obras tipo-Kant, tipo-Hegel, tipo-Descartes, tipo-Platão... Com certeza estes, quando escreviam, estavam pensando "Quero ser um mega-blaster-intelectual que vai entrar pro cânone", e não "Quero produzir conteúdo que dê conta dos problemas que enfrentamos aqui na nossa terra, dia-a-dia, etc." #sqn
Com certeza os seus colegas de universidade (ou academia, ou sei lá) quando os encontravam nos corredores abaixavam as cabeças e pensavam "Jamais seremos como estes semi-deuses", e desistiam de seus trabalhos. Com certeza os arquitetos quando se dão conta de que não terão o financiamento que um Niemeyer teve ou que não construirão uma Capela Cistina ou uma pirâmide Asteca desistem de sua formação, de solucionar problemas nas casas das pessoas que conhecem, que os contratam, de desenvolver projetos acessíveis para pessoas com deficiência ou para o melhor proveito da experiência humana em uma instalação. "Jamais seremos como aqueles selecionados ali. Vamos só passar um tempo e morrer de vergonha e tédio vira-lata em nossas miseráveis incapacidades inatas"...
A capacidade de ser ativo e transformador na comunidade em que se está inserido, nas relações próximas, na solução de problemas concretos e presentes, vivos, sensíveis, aqui em casa, do meu lado, na minha terra, é "menosprezada" - porque filosofia só é filosofia entrando num sistema canônico de clássicos e suas revisões. Do contrário, é... Sei lá o que!
Eu fico de boa pensando que "sou filósofo da Vila Isa" ou "filósofo na minha comunidade", "na minha família", enfrentando os problemas em diversos níveis, lugares e momentos. Professor vez por outra, filósofo como professor ou professor como filósofo. Canônico?! Duvido que quem produziu "A Filosofia" que estudamos ficou pensando em entrar pra História Universal Imutável do Progresso e Desenvolvimento Único, Unívoco e Unidirecional Humano. Estavam é solucionando seus problemas, desenvolvendo sistemas a partir dos enfrentamentos necessários ali, próximo.
Bem, mas se não for pra "entrar no cânone", não é filosofia, é só "comentador". Não pretendo entrar pros seletos, pelo jeito "você", sim. Quem que é o humildão e o arrogante nessa relação com o "ser filósofo"?

Bruno Reikdal Lima

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Primeiras Palavras

Parabéns por postar,
Página perfeita...
...pra problematizar!
Prossegui pensando por perseguir palavras
Praticando poesias
Penalizando poderes.
Poderia pôr pra papo
Problemas pessoais
- Persisto -
Podemos progredir por paz!
Perseguem putas pois possuem-se;
Perseguem pretos porque pobres;
Perseguem pardos, peruanos, paraenses
Pros políticos? Privilégios...
Pesquisa publicada por periódico propõe
políticas paliativas. Piada!
Produtora produz película para
popularizar presidente. Putaria!
População preenche pista principal
pedindo por providências. "Protesto pacífico"!
Pediram-me pra parar
Pediram-me por profecias
Pedro??? Por favor, Paulo!
Parei pra pedir pinga pro prefeito
Projetos para primeiro pleito
Pedi por país perfeito!
Pareço pedra
Prossigo persistente
Pois possuo pistola
Poucas palavras por pente
Peço por pouco
Paz, prosperidade, perdão
Permaneço "Perdido Por Pensar"

Prazer, Paixão.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Na quitanda da boa vizinhança...


A: - Bom dia, meu senhor!

B: - Bom dia, meu jovem! O que você vai levar hoje?

A: - Procuro um pacote bem grande, repleto de respeito mútuo, para sair distribuindo por aí. Quanto custa?

B: - Ah, meu jovem. Isso já não temos por aqui há anos...! Infelizmente. Mas temos porções de inveja, egoísmo, corrupção... Essas coisas que estão na moda agora. Se você levar o combo inveja + egoísmo te faço um precinho especial: custa apenas o incômodo alheio!

A: - Hmmm... Acho que vou levar. E vou pagar a vista!

sábado, 10 de junho de 2017

Divagações...

Pessoas que vêm e vão.

Entram em nossas vidas sem porquê, sem saber e sem querer.

Não precisa estar perto para estar junto.

Não precisa ser Deus para se sentir um pouco dono do mundo.

Não é preciso fechar os olhos para entrar em sono profundo.

Não é preciso insanidade para provar que somos loucos.

Precisamos de amor verdadeiro, por mais que isso ainda seja pouco.

Warquis S. Guedes

sábado, 27 de maio de 2017

Minha morada

Somos como nossa própia casa:

A janela dos olhos nem sempre nos dá a visão que pretendemos ter.

Nossa boca e nossa voz são portas que podem ser abertas ou fechadas com apenas uma simples palavra.

Nosso esqueleto é a nossa estrutura: a base da nossa casa, com colunas, vigas e lajes.

O quarto da nossa mente abriga vários sonhos, vontades e pensamentos...

Warquis S. Guedes

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Agro-vida-industrial - Direitos

Batatinha quando nasce
Espalha a rama pelo chão.
Nenezinho quando dorme
Põe a mão no coração
Se a agro-indústria deixar
E se o governo não retirar.

...

Christiano Bueno

domingo, 7 de maio de 2017

Tec-Tec

Tec - Tec - "Produção"

Phein - Phein - "Produção"

Aperta - Aperta (Aperta mais!) - "Produção"

Zuim - Zuim - "Produção"

Anota aí, anota já! - "Produção"

Vrum - Vrum (Vruuum) - "Produção"

Tó - Tó - Tó - Tó - (TóTóTóTó) - "Produção"

Rec - Rec - (RecRecRecRec) - "Produção"

- Uouuu... Huóóóóó - "Almoço"

Volta em 1 hora...

Christiano Bueno

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Caminho

Cantarolando caminhei, corri, cansei.
Comecei crendo, centrado, compenetrado.
Caralho, cadê coisas corretas?
Cadê certezas?
Cadê critérios?
Concordo com certos companheiros, cada cachorro... Caceta.
Consegui concretizar certas construções,
comecei com calma, cautela, cuidado.
Criei coisas caras como cristais.
Carreira? Caguei!
Certamente correrei.
Consumo café, cigarros, chocolate, codeína... Consumo cérebros. Como cérebros.
Cri com curiosidade, caí com certeza.
Chorei, calmamente chorei.
Carreguei cruz, crendo; carteira, celular, cordão, chinelo, calça, camiseta, cap, cartão, cédulas, correntes, críticas, conselhos, cartas, canetas, canções.
Concluo cantando Carlos cubano: "Caminhamos com Che!"

Gabriel Paixão

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Todos os caminhos me levam a...


Ainda acho engraçado como as coisas surgem em minha mente em momentos inoportunos. Comparo isso a um parto natural onde a mulher, apesar de saber da gravidez e esperar pelo gerado, se assusta quando ele inicia sua jornada de destruição e construção. Fico grávida mentalmente e nunca sei exatamente como será o parto nem o que nascerá. Seria bem melhor eu estar dormindo a essa hora, mas não. Estou sentada em minha sala assistindo a um programa político e nem sei como esse parto iniciou. Mas, já que aconteceu, estou aqui, mais uma vez a escrever.
O programa mostrou o funeral de um exilado político e após o relato de seu neto me vieram à mente todos os velórios que já presenciei. Isso me fez perceber o quanto de memória enterrada tenho em minha mente... De fato ela é quase um cemitério ambulante. Vou encarar isso como algo positivo: afinal, se temos o que recordar é porque pudemos viver.
Todo esse assunto me remete à uma crônica que que li há um tempão atrás e que já não me lembro bem de quem era. O autor relatava o envolvimento de um homem com uma casa velha, de mais de cem anos. Sabemos que casas assim têm muita coisa pra conta -  pena que são mudas! (Vou abrir um parêntese aqui: Ta aí uma coisa que, se um dia eu pudesse falar com Deus, eu o aconselharia a mudar. As coisas "inanimadas" devem ter muito a contar, imaginem só... Elas ficam ali, paradas no silêncio dos cômodos. Não se intrometem em absolutamente nada, mas presenciam muitas histórias.) Voltando à crônica, um homem comprou essa casa centenária e ficou tão apaixonado por ela que queria descobrir tudo que ela já tinha vivido (viu como devo aconselhar Deus?). Então, ele decidiu retirar aos poucos as camadas de tinta das paredes dessa casa: a cada camada retirada ele podia ler tudo o que a casa tinha presenciado. A cada camada retirada mais apaixonado ele ficava. Seu desejo era ler a alma da casa, saber exatamente quem ela era. A cada leitura o homem se entregava às emoções impregnadas naquelas paredes: sentia dor, alegria, mágoa, amor, desespero. Foi a mais linda e maravilhosa experiência estética da vida desse homem.
Muitas vezes as lembranças eram pesadas e o empurravam para abismos intermináveis. Nesses momentos até pensava em desistir. Ele já não percebia mais o limite que o separava da casa: eles já se pertenciam um ao outro. Mesmo sem saber como lidar com todo aquele peso, ele continuou. Quando chegou à última camada sentiu uma das maiores alegrias de sua vida, mas foi muito rápido e logo essa sensação desapareceu. O homem, já não tendo mais o que retirar, ficou atordoado.  Precisava continuar aquela busca desenfreada pela essência da casa, mas não havia mais o que ler. Acabou. Não entendia o que tinha feito de errado, acreditou ingenuamente que chegando ao fim seria presenteado com uma verdade absoluta. Passou dias sem entender como que a sua paixão, que antes o iluminava, agora o mantinha na escuridão.
Percebeu, enfim, que a casa não era nada sem as suas camadas. Eram suas memórias, suas vivências que a faziam ser o que era: uma essência construída e lapidada por cem longos anos. E foi nesse momento que se deparou com as inúmeras possibilidades de inserir mais camadas de vida naquelas paredes e fazer de suas lembranças algo imortal. 
Bem... Já não lembro mais se a crônica era realmente assim. Apostaria as estrelas com você que nesse texto tem muito mais do meu DNA do que do autor. O azar é todo dele: ninguém mandou publicar algo que possa interessar a alguém e ser surrupiado sem nenhum pudor, muito menos por uma menina sem compromisso moral de pagar pelos direitos autorais. Mas isso tudo foi apenas para explicar o meu parto e inspiração, que é o seguinte: muitas vezes tiramos tantas camadas de nossa alma que chega um momento em que não nos reconhecemos mais. Quando isso acontece, é importante vestir novamente algumas delas. Não nos descobrimos apenas quando nos despimos de nós, muitas vezes nos encontramos quando voltamos o olhar para nossas antigas roupagens. Algumas não servem mais, mas ainda assim vale a pena darmos uma olhadinha para elas, apenas como uma referência do que já fomos. Pare um momento e pense: quantos de você o habitam? Temos aqui uma possibilidade de viajar em nós, viajar pelos nossos momentos e perceber que somos um conjunto de nós mesmos: somos o nosso céu e o nosso inferno, somos o que éramos e o que queremos ser. E ter a possibilidade em nossas mãos é a oportunidade perfeita de nos tornarmos a causa de nós mesmos e não o efeito de algo.
Discordo do ditado que diz que recordar é viver: não, não e não! Recordar é recordar, viver é isso aqui agora: eu sentada no sofá com o computador no colo e a TV ligada onde passa uma novela bem antiga. Recordar é nos reconhecermos em outras roupas, com outros penteados, e isso é imutável.  Agora o "agora" está bem em minhas mãos: sou senhora do tempo, do meu tempo e do meu futuro. Ah, o futuro! Desse eu nem vou falar. Afinal, não é à toa que a parte mais gostosa da bolacha fica no meio, a salsicha fica entre os pães e o melhor calor é aquele que nasce entre dois corpos. Mas não se esqueça jamais que quando misturamos o molho no purê de batatas eles nunca mais se separam.