quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A dura arte de assistir ao pôr-do-sol

Quando ainda pequeno ouvi falar, pela primeira vez, da morte de um conhecido. Eu não me preocupei porque tinha certeza que, assim como os personagens da Bíblia, depois de alguns dias a pessoa logo voltaria a vida. Eu esperei confiante durante as 72 horas, que pareceram as mais longas da minha vida. Nada. Talvez três dias fosse exclusividade de Jesus, já que Lázaro demorou quatro para ressuscitar. Não, não era. Uma semana depois eu estaria bastante desapontado.
Alguns anos depois eu fui, pela primeira vez, a um velório de uma amiga da minha mãe na igreja e odiei a horrível sensação de observar o sofrimento de todas aquelas pessoas sem poder fazer nada a respeito. Nesta época eu ainda tinha esperanças e podia jurar que, em algum momento da cerimônia, o corpo que no caixão repousava iria piscar os olhos e milagrosamente e cinematograficamente se levantar, emocionando e maravilhando a todos ao redor. Mais uma vez acabei me decepcionando. 
O tempo passou e hoje, pela primeira vez vivenciando a dor da perda em um cemitério, eu fui forçado a aceitar a realidade: eles não vão voltar. E seus corpos não estão apenas dormindo como costumamos repetir como consolo. As almas com certeza podem descansar paz, mas as capsulas biológicas onde elas habitaram em vida não poderão ser reutilizadas: estão mortas e em pouco tempo entrarão em processo de decomposição. 
Nós somos como os dias: nascemos todos imersos em expectativas e envoltos em singela beleza. Em nossa existência podemos alcançar ou não o esplendor de raios solares que façam os olhos doerem, mas infelizmente, na maior parte do dia, o clima estará parcialmente nublado, com possíveis pancadas de chuva. Em todo caso, terminaremos de forma tão sutil quanto começamos, porque o tempo não pode parar para nós. Até porque, indiferente às lágrimas que escorrem copiosamente e aos lenços que as enxugam e alheia à melancolia dos cantos congregacionais entoados por vozes embargadas, a morte, por si só, é sempre implacável. 
Eu nunca imaginei que assistir o sol se pôr poderia doer. Mas particularmente, não sou muito bom em demonstrar sentimentos em público, sejam eles bons ou ruins, então ao se despedir hoje me recuso a me aproximar e os meus olhos a umedecerem. Mas o meu rio de lágrimas escorre em silêncio, invisível, por dentro. E o choro interno se assemelha às sensações de um rolo de arames arranhando a garganta, de um pássaro cantante sendo emudecido, de uma ferida íntima sendo exposta. 
O tempo está correndo, como sempre, então de relance olho o seu rosto uma última vez e não me parece crível que aquela visão nunca mais se repetirá. Na hora do seu sepultamento ninguém tinha em mãos uma rosa para jogar, nem ouviram-se aplausos como eu imaginei que aconteceria. Mas me conforta saber que em nossas mentes você foi responsável por fazer florescer jardins eternos e que em nossos coraçoes você será ovacionado para sempre. 

Por Samu Saint, em memória de José Jorge (25/03/1929 - 16/06/2017)

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Solidão


Vamos falar de solidão. Quem nunca sentiu esse troço esquisito, não é não? E quem nunca tentou afastar isso? Não saberia dizer de anos atrás, mas a percepção que tenho é que nessa nossa época rotulamos a solidão como algo extremamente negativo e buscamos a todo custo não sermos seres solitários. Nunca sentimos tanta inveja dos nossos coleguinhas e suas vidas cheias de companhia e felicidade. Todos possuem uma vida de comerciais de margarina. Ninguém arrota, nem tem dor de barriga, não passam nervoso, não ficam fedidos, professam um amor verdadeiro e recíproco, os pássaros cantam quando eles passam, não há céu nublado nem tormentas. Ninguém atrasa uma conta, não brigam com o filho nem torcem o pé.
Estamos falando aqui de existência que nem sempre é acompanhada, feliz e satisfeita. Bom nunca é acompanhada. A verdade é que somos seres solitários e individuais. O que você sente só você sente, mesmo que seja similar ao sentir do outro. Eu, de tão existencialista que sou, vou ao chão um montão de vezes. Qual foi o lixo que me esqueci de jogar fora? Quando estou uma porcaria não consigo escrever, meu filho não me suporta e minhas amigas... bom, minhas amigas continuam porque são as melhores. Entro na minha caverna e espero, sempre passa. Percebe que vem de dentro e não do mundo? Se encontre, leia alguns livros, ouça Belchior!
A solidão, de tão mal interpretada, virou fraqueza. Tudo isso só porque ela toca o terror na sua vida e te coloca de frente com você mesmo. Não seja intolerante com a solidão, ela não é e nunca será uma inimiga. Sei que existem algumas solidões que machucam pra burro e tiram o significado de muita coisa, mas se isso não for uma patologia, dê as mãos para ela e se descubra. Aos onze anos eu descobri a solidão compartilhada, quando sentar-se a mesa para dividir as refeições já não fazia mais sentido. Essa era uma solidão específica. Arrisco-me a dizer que algumas solidões têm nome, sobrenome e CPF.  Aos vinte e cinco anos descobri a solidão de mim mesma, quando já não me amava mais, não me pertencia e o cinza estava na alma. Com muita droga na cabeça (lícitas crianças) e muito blá, blá, blá (terapia crianças) eu me vi e renasci.  O que não tem remédio... A gente aceita ou supera ou modifica!
Aprendemos um montão de coisas com isso inclusive a força de continuar.  Então se você está pensando em desistir, repense e volte a repensar. Vale a pena atravessar todo esse lodo. Todo mundo tem uma historinha pra contar e acreditem, elas não são tão belas como imaginamos. Inferno existe de monte por aí e ele está dentro de nós. A notícia boa é que o paraíso também existe: encontre-o.