quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Uberização: mais um cadafalso para a educação

Em 26 de fevereiro de 2021 veio a público no canal do YouTube do jornal Folha de S. Paulo o primeiro vídeo da série intitulada “E Eu ?” que, conforme descrição no canal, objetiva apresentar o relato de “minorias pouco representadas na mídia” a respeito de “problemas na relação com a imprensa”. O vídeo em questão consiste em uma entrevista concedida por Paulo Lima – conhecido como Paulo Galo, líder do movimento dos Entregadores Antifascistas – na qual discute de maneira contundente, entre outros temas, as características e abrangência da precarização do trabalho no séc. XXI. Desde o primeiro dia em que o assisti decidi adotá-lo como material paradidático para as aulas de Filosofia, sobretudo para as ocasiões nas quais me proponho a tecer reflexões, com os estudantes, acerca do mundo do trabalho. 

Durante a entrevista, Paulo Lima afirma que a uberização não é um problema exclusivo dos entregadores, mas um processo que alvejará outros setores. E argumenta que se a Revolução Industrial foi responsável pela diminuição dos empregos, a uberização, por sua vez, será responsável pela supressão dos direitos trabalhistas – que não foram concedidos pelos patrões, mas conquistados pelos trabalhadores com muito suor, sangue e lágrimas, ao longo da história. Ao abordar essa questão com os estudantes tento pensar em outros exemplos, mas não consigo ignorar a situação da minha categoria profissional que, ano após ano, assiste imóvel ao próprio estrangulamento: é como se, a cada gestão, governadores e secretários da educação apertassem um pouco mais a corda que cinge violentamente a garganta dos professores e professoras da educação básica pública paulista. 

Uma das primeiras laçadas foi, sem dúvida, a imposição de uma diferença remuneratória entre os cargos de Professor de Educação Básica I e Professor de Educação Básica II. O primeiro cargo, caracterizado pelo exercício da docência nos anos iniciais do ensino fundamental, abarca tarefas importantíssimas como a alfabetização e o ensino dos primeiros cálculos e é desempenhado em sua grande maioria por professoras que recebem um valor menor de hora-aula do que o que é pago aos professores  que exercem o segundo cargo (grupo heterogêneo no qual a presença masculina é bem mais evidente) – há aqui, portanto, uma desvalorização que se pauta no recorte de gênero. 

Alguém poderia objetar que essa situação não se configura como uma ação deliberada de redução de direitos, e que os docentes paulistas vivem este cenário há muitos anos, resignadamente. Eu prefiro pensar que remuneração justa é direito, e que uma situação de injustiça jamais perde seu caráter, mesmo diante do silêncio dos injustiçados. Ainda assim, considerando a objeção, é possível encorpar a argumentação citando os inúmeros episódios dos últimos anos, dentre eles: o esquartejamento da classe docente em oito categorias (A, P, N, F, S, L, O e V) e a distribuição profundamente desigual de direitos trabalhistas entre elas – ação que, diga-se de passagem, desuniu a classe e coibiu sua reação; o cancelamento das ausências abonadas; a redução da quantidade de aulas de disciplinas específicas como Filosofia, Sociologia e Artes; a privatização de escolas; a total falta de transparência no processo de atribuição de aulas para o ano de 2025... 

A pergunta que sempre fica é a seguinte: existe solução? Penso que sim. Em sua entrevista, Paulo Lima descreve como a organização coletiva foi fundamental para que os entregadores de todo o Brasil alcançassem visibilidade: um passo importante para a categoria, que segue em luta por direitos e melhores condições de trabalho. Essa é a minha aposta. Estamos esgotados, mas a defesa dos nossos direitos enquanto classe trabalhadora é o que nos resta: a derradeira tentativa de escapar da forca, cujo sucesso depende da efetiva organização coletiva dos professores e professoras. É preciso engajar-se nessa luta!