sábado, 1 de agosto de 2020

Eterno retorno*

— O café está quase pronto, amor.
— Só mais cinco minutos…
Esse é o meu ritual matinal. Tentar, sem êxito algum, prolongar o tempo de vida útil dessa efêmera sensação de prazer. Manter-me distante do trabalho e das coisas que me afligem. “Ora, ora. Marx diria que o trabalho dignifica o homem. É por meio do trabalho que o homem transforma a natureza ao seu redor, forjando a si próprio”. Foda-se Marx. Prefiro a etimologia que qualifica o trabalho como um instrumento de tortura. Aliás, não é esse o mesmo Marx que afirma ser o trabalho o meio pelo qual o trabalhador vende sua força produtiva tornando-se uma mera engrenagem da máquina que produz lucro às custas de vidas humanas? É cedo demais para pensar nessas coisas, mas não consigo me desvencilhar.
— Está pronto, amor. Venha antes que esfrie!
— Tô indo!
Uma xícara de café frio é pior do que trabalhar. Café fresco, bem quente e doce é outra boa sensação da vida, daquelas que queremos preservar infinitamente. Porém, o café esfria, e a quantia que permanece na cafeteira italiana já não tem o mesmo sabor e temperatura da primeira dose. Contra minha vontade — vontade impotente — me encontro de novo com a fria e amarga realidade expressa naquele dito popular: “Tudo o que é bom dura pouco”. Talvez não seja sempre assim. Talvez exista um “quase” dentro desse “tudo”.
— Que dia é hoje, meu bem?
— Terça-feira. 12 de maio.
O tempo.
Os diversos modos de vê-lo passar me trazem à recordação — de maneira muito vaga — o que Nietzsche dissera acerca do eterno retorno. Já não sei se era esse o sentido que o filósofo quis imprimir à expressão, mas com certeza ela define meu esforço constante em afastar o que me aflige e…
— O café está quase pronto, amor.
— Só mais cinco minutos…
Esse é o meu ritual matinal. Tentar, sem êxito algum, prolongar o tempo de vida útil dessa efêmera sensação de prazer. 

*Texto publicado originalmente na seção Puxadinho do terceiro volume da Revista Habitat - Artefato Edições.