Que pesadelo mais sombrio!
Estava num amplo galpão fabril, mal iluminado, repleto de camas hospitalares. As camas estavam ocupadas e dispostas em fileiras, como numa grande linha de produção. As pessoas que as ocupavam, aparentemente saudáveis, tinham conectados às suas cabeças eletrodos cujas extremidades encontravam-se conectadas a uma máquina semelhante a um computador. Máquinas, fios, pessoas e camas hospitalares repetiam-se sequencial e infinitamente compondo um cenário de ficção científica. Ao soar de um sinal, as luzes se acenderam. Paulatinamente, as pessoas que ocupavam as camas começaram a se levantar e a desconectar os fios que as prendiam às máquinas.
— Quinze minutos para o café!
Todos pareciam estar muito bem. Enquanto comiam, conversavam sobre os mais diversos assuntos: família, política, religião, economia, saúde, educação, a viagem das últimas férias...
O sinal tocou novamente indicando o término do café. Todos retornaram aos seus lugares, dando continuidade às suas tarefas. Caminhando entre as camas observei que as telas das máquinas exibiam paisagens belíssimas — como se fosse possível apresentar em imagem a própria felicidade. Recordei-me de um texto de Bauman que denunciava o caráter parasitário do capitalismo, e então me dei conta de que todas aquelas pessoas estavam sonhando. Seus sonhos eram captados por meio dos eletrodos e transferidos para as máquinas. De lá seriam vendidos por um custo altíssimo a uma pequena parcela da sociedade que, diante de uma crise sanitária de proporções globais, se via incapaz de sonhar. Tentei chorar e não consegui. Gritei a plenos pulmões, mas meus lábios eram incapazes de projetar qualquer som.
— Álvaro! Álvaro!
— O que foi?
— Você estava longe, meu amigo. A pausa acabou. Temos ainda muitos sonhos a produzir. Volte ao trabalho!
Liguei a máquina. Reconectei os eletrodos em minha cabeça. Deitei na cama...
*Texto publicado originalmente no segundo volume da Revista Habitat - Artefato Edições.